segunda-feira, 15 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“O Pacto é de Estabilidade mas também de Crescimento”

OE2011:“O Pacto é de Estabilidade mas também de Crescimento”
Ver entrevista:http://www.observatoriodoalgarve.com/cna/noticias_ver.asp?noticia=40325


O economista Efigénio Rebelo, Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, alerta: "o Projeto Europeu é um projeto social. Se deixar de o ser, não terá sustentabilidade". E avança um diagnóstico que ultrapassa o OE2011, quanto à economia do país.




O Observatório do Algarve procurou, junto do economista e professor catedrático da UAlg, respostas que permitisse perceber um pouco melhor o que representa o Orçamento de Estado agora em discussão na especialidade, e se esta é a porta de saída para a crise. Eis a entrevista:

OdA: Haverá ainda mais alguma coisa a dizer sobre o Orçamento de Estado de 2011?

Prof. Efigénio Rebelo: Muito se tem dito e escrito sobre o Orçamento de Estado deste ano. Mas muito se continuará a dizer e a escrever, como se não estivesse já tudo dito e escrito! Este é de facto o Orçamento mais importante das últimas décadas e, só isso, justifica que assim seja!

OdA: E é o OE mais importante porquê?

Prof. Efigénio Rebelo: Por, pelo menos, três ordens de razões:

Porque a crise financeira e económica internacional tornou mais evidentes as debilidades da economia portuguesa no quadro de uma união económica e monetária.

Porque, em resultado disso, existe, finalmente, um alargado consenso à volta do reconhecimento da insustentabilidade dos nossos défices e dívida externa, défices e dívida que há muito sabíamos estarem longe de ser meramente conjunturais.

Mas, também, porque, apesar desse novo consenso, está longe de estar reunido o necessário consenso sobre as causas desses desequilíbrios, logo sobre a forma de resolver os nossos problemas estruturais.

OdA: Mas se assim é, deveria esperar-se, então, a não aprovação deste Orçamento?

Prof. Efigénio Rebelo: Deveria esperar-se que o Orçamento fosse aprovado na Assembleia da República, mas que quase ninguém, nem mesmo grande parte dos seus proponentes, se reveja nele! Uma leitura interessada de toda a documentação produzida, incluindo os pareceres técnicos da Unidade de Apoio Técnico da Assembleia da República e do Conselho Económico e Social e o excelente livro, trazido recentemente à estampa pelo Dr. Vitor Bento, evidencia isso.

Também uma audição atenta dos comentadores (os de política e os especialistas de matéria económica), o próprio processo de negociação entre os dois principais partidos que acabaram por viabilizar o Orçamento, e a discussão que precedeu a sua aprovação na Assembleia da República são bem um reflexo disso mesmo: para uns, trata-se de um mau orçamento, para outros de um orçamento necessário!

Não será que uns e outros estão no fundo a dizer a mesma coisa? E no entanto aprovaram-no, porque os mercados financeiros assim o exigiam, porque o FMI está à espreita, porque, em suma, não haveria mais vida para além do défice público, da dívida pública e do endividamento externo.

OdA: E no meio desta necessidade imperiosa de dar confiança aos mercados, será que os mercados confiam?

Prof. Efigénio Rebelo: Se uma ex-Ministra das Finanças, em plena Assembleia da República, chegou a sugerir a um deputado do partido do governo que finja que confia no acordo estabelecido para viabilizar o Orçamento! Se a mesma ex-Ministra chegou a exigir ao actual Ministro das Finanças que omita as suas dúvidas sobre a possibilidade de vir a ter reais condições para executar o dito Orçamento!

E tudo isto com justificação, naturalmente, na sua firme mas implícita convicção de que a opinião deles (dos que criticou) é supostamente bem mais demolidora para lançar o descrédito no acordo, do que a sua própria humilde (pouco ouvida) intervenção! Alguém acredita nisto?

Então não é verdade, como se constatou, que a intervenção da Dra. Manuela Ferreira Leite teve bem mais publicidade do que as intervenções que criticou?

OdA: Mas afinal, na sua opinião, porque é que o OE, mesmo necessário, é mau?

Prof. Efigénio Rebelo: É mau porque o Orçamento, qualquer orçamento, deve ser visto como um instrumento de política económica inspirado numa visão estratégica de médio longo prazo, que tenha por objectivo último o crescimento sustentado da riqueza e do emprego e a correcção das desigualdades sociais.

Não serve apenas para corrigir conjunturalmente os desequilíbrios financeiros. Disso já nós tivemos que baste no passado recente!

Ou não nos lembramos já de todas as medidas de desorçamentação (do lado da despesa), e das receitas extraordinárias que utilizámos para mitigar o desequilíbrio das contas públicas em anos anteriores ao da eclosão da crise financeira e económica internacional? Serviu de alguma coisa?

OdA: Quer dizer que face à crise internacional a recessão é uma possibilidade?

Naturalmente, já que as medidas preconizadas terão uma componente recessiva, seguramente do lado da despesa (corte nas despesas primárias do Estado), mas também do lado da receita, por via do aumento do IVA. Acresce que apesar do aumento do IVA, a base tributária será menor e a evasão fiscal tenderá a aumentar, o que pode vir a comprometer o próprio objectivo de curto prazo de diminuir o défice.

E mesmo que assim não seja e consigamos de facto reduzir o défice de 7,3 % para 4,6%, que margem temos para o reduzir ainda mais em 2012? Voltamos a cortar nas despesas primárias do Estado (salários, pensões e outras prestações sociais) para podermos manter intocáveis as despesas intermédias do Estado, onde reconhecidamente há tanto desperdício?

É que sem um novo submarino para pagar em 2011, como vamos reduzir as despesas intermédias em 2012 (por comparação com 2011), sem beliscar os muitos interesses instalados?

E se é inevitável beliscá-los (e será), porque não ter começado já, em 2011, afectando quanto antes essas verbas ao financiamento das exportações, à substituição de importações e à melhor remuneração da poupança interna, contribuindo, também, por essa via, para a redução do consumo interno?

Ou a conversão de dívida externa em dívida interna é irrelevante do ponto de vista do crescimento económico sustentável e da nossa soberania?

OdA: Têm existido receios quanto à perda da soberania do país. Soberania, ainda a temos?

Prof. Efigénio Rebelo: Fazemos parte, por opção própria, de uma união económica e monetária. Essa opção, como todas as opções, tem coisas boas e coisas más. Não soubemos aproveitar as imensas ajudas que tivemos para reconverter e modernizar o nosso tecido produtivo. Na realidade, quase acabámos com ele!

Por outro lado, deixámos, inevitavelmente, de poder desvalorizar a moeda para aumentar a competitividade das nossas exportações e diminuir a competitividade dos produtos que importamos.

E, assim, vamos acumulando défices comerciais ano após ano, ainda que a principal responsabilidade do aumento da nossa dívida externa sejam, por um lado, os juros da dívida que estamos obrigados a pagar e, por outro lado, quer a diminuição das receitas do exterior (receitas de emigrantes), quer o aumento das receitas para o exterior (receitas de imigrantes).

Sem desvalorizações competitivas, deteriorámos os termos de troca entre o sector transaccionável (o que está sujeito à competição internacional, designadamente por via dos preços) e o sector não transaccionável (o que sendo menos produtivo, se tornou entretanto mais rentável, por funcionar num mercado protegido e de margens garantidas).

Sem essas desvalorizações, deixámos, também, de ter inflação (importada), e por via disso, deixámos de poder ajustar os acréscimos nos salários reais aos aumentos de produtividade nos dois sectores referidos, o que reporia o equilíbrio a favor do sector marginalmente mais produtivo.

Por outro lado, sem inflação, os nossos credores, que tiveram uma política agressiva de incentivo ao aumento do consumo das famílias, das empresas e do Estado, vão sair incólumes desta crise, podendo fazer incidir todo o custo do ajustamento nos seus devedores. Ou seja, nem por via da inflação vão ver a sua renda diminuída, como seria justo esperar.

OdA: Este diagnóstico, sendo fundamental, não aponta para uma solução.

Prof. Efigénio Rebelo: Pois não, mas também é verdade que, sem diagnóstico, não há solução. Algumas propostas já foram ventiladas ao longo desta entrevista.

Outras poderão ser encontradas em vários documentos já citados (designadamente no parecer do Conselho Económico e Social), e também num recente manifesto da autoria de alguns economistas da Associação Francesa de Economia Política.

O problema é um problema europeu, e só no quadro de uma Europa mais solidária poderá ser resolvido, ainda que, naturalmente, isto não possa servir de desculpa para as políticas erradas seguidas em Portugal.

OdA: Significa que as políticas europeias podiam e deviam ajudar a combater a crise?

Prof. Efigénio Rebelo: Seriam determinantes. Por exemplo, porque é que os Estados são obrigados a financiar-se nos mercados financeiros, que obtêm acréscimos de liquidez a muito menor custo no Banco Central Europeu? Porque é que o Banco Central Europeu não compra, ele próprio, os títulos da dívida pública dos Estados europeus?

Porque é que não se reduz a liquidez e a especulação internacional através de um apertado controle dos movimentos de capitais e através de taxas sobre as transacções financeiras?

Porque é que não se regulamenta as intervenções das agências de rating, de forma a impedir que arbitrariamente continuem a fixar as taxas de juro das dívidas soberanas? Porque é que não se audita devidamente a origem dessas dívidas soberanas?

Porque é que não se reestrutura a dívida pública, estabelecendo uma discriminação positiva da sua maturidade em relação aos credores que maior volume de títulos possui?

Porque é que o Banco Central Europeu não aceita um tecto de inflação acima de 2% (há já quem sugira 4%)?

Porque é que não se assegura a coordenação das políticas macroeconómicas e não se reduz, concertadamente, os desequilíbrios comerciais entre os países europeus?

Porque é que a Alemanha, por exemplo, em vez de reduzir impostos, o que só tem aumentado os seus níveis de poupança, não aumenta as despesas do Estado para estimular a sua procura interna, o que permitiria aumentar as exportações dos países em dificuldade?

OdA: Mas tal não impede que sejam necessárias medidas internas?

Prof. Efigénio Rebelo: Sim, claro. Em Portugal, porque é que em vez de se aumentar o IVA em 2 pontos percentuais, não se optou por aumentar fortemente o IRS sobre os salários muito elevados, de modo a dissuadir a corrida a rendimentos injustificáveis (e insustentáveis)?

Porque é que não se implementa uma política pública de crédito diferenciada verdadeiramente eficaz a favor do sector transaccionável? Porque é que o Estado não intervém na regulação dos preços no sector não transaccionável, de forma a reequilibrar os termos de troca entre os dois sectores? Essa baixa de preços melhoria de imediato a competitividade das nossas exportações de produtos transaccionáveis.

Ou quando se fala em preços competitivos, pensa-se apenas nos salários, onde essa redução acabou de ser feita nos servidores do Estado? Enfim, quaisquer que sejam as políticas a adoptar, quer a nível europeu, quer a nível nacional, elas terão que ser merecedoras de consenso.

Um consenso que deve ter presente que o que foi acordado entre os países foi um Pacto de Estabilidade e Crescimento. Não se pode obter o primeiro sem o segundo, muito menos à custa do segundo!

Acredito que esse consenso acabará por acontecer, porque a situação é, finalmente reconhecidamente insustentável, quer em Portugal, quer no resto da Europa! Esperemos que esse consenso tenha em conta que o Projecto Europeu é um projecto social. Se deixar de o ser, não terá sustentabilidade.